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Novembro 2024
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Dois meses em New Orleans
New
Orleans é território familiar. Visitei a cidade várias vezes quando
morava nos EUA em tempo integral, e morei aqui por um mês no meu
primeiro ano de vida nômade. Desta vez aluguei um apartamento na parte
sudeste do French Quarter, no segundo andar de uma típica moradia
creole. Tem até uma varanda com cadeiras de balanço.
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Minha varanda no French Quarter
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Visitei várias galerias de arte, algumas com
trabalhos de artistas formidáveis. A Windsor Fine Art tinha Rembrandt,
Dalí, Picasso, Miró, Chagall, entre outros. A M.S. Rau tinha Pisarro,
Sargent, Degas, e um quadro enorme e impressionante de um artista belga
pré-rafaelita de quem eu nunca tinha ouvido falar, Gustave-Max Stevens.
Também fui mais uma vez, claro, ao New Orleans Museum of Art (NOMA). O
NOMA parece ser um museu pequeno, mas quando começamos a contar os
grandes artistas representados na coleção a sua importância fica
evidente: El Greco, Tiepolo, Tintoretto, Claude Lorrain, Sargent,
Modigliani, Renoir, Degas, Miró, Picasso, Magritte, O'Keefe, Pollock,
Warhol, Kandinsky, Liechtenstein, para mencionar só alguns.
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As Doze Princesas, do Gustave-Max Stevens
(3,5m x 2,5m)
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New Orleans é famosa principalmente pela
música e pela comida, mas também é uma cidade literária. Vários
escritores famosos moraram e trabalharam aqui. Explorei este lado lendo
alguns livros do William Faulkner e assistindo filmes baseados em peças
do Tennessee Williams.
O Faulkner viveu aqui no início da carreira, e a sua casa na Pirate's
Alley agora é uma livraria. Não posso dizer que gostei muito dos livros
dele. Uma prosa muito rebuscada e propositadamente obscura. Ele uma vez
zombou do Hemingway dizendo que "ele nunca usou uma palavra que pudesse
levar o leitor ao dicionário". O Hemingway, que nunca deixava um insulto
sem resposta, disse "Pobre Faulkner. Ele acha mesmo que emoções grandes
vêm de palavras grandes?" Eu apoio o Hemingway, claro.
Assistir Tennessee Williams foi muito mais interessante e divertido. Ele
é famoso pelos personagens emocionalmente perturbados e pela exploração
da vulnerabilidade humana, mas eu também encontro um senso de humor
sutil nas suas peças (humor negro, obviamente). Ele morou aqui no fim
dos anos trinta, e voltou várias vezes. Segundo ele, "Nos EUA só existem
três cidades: New York, San Francisco, e New Orleans. O resto é tudo
Cleveland".
Também tomei uns drinks no célebre Carousel Bar dentro do Hotel
Monteleone. Este hotel era uma espécie de ímã para escritores, e teve
como hóspedes Truman Capote, Scott Fitzgerald, e Ernest Hemingway, entre
outros. O bar tem este nome por ser do formato de um carrossel e por
girar levando os clientes com ele. Você fica sem saber se está tonto por
causa da bebida ou do carrossel. Outro sujeito que morou em New Orleans
no começo da carreira foi o Charles Bukowski, numa casa aqui perto da
minha. Ele escreveu que New Orleans não interferiu com ele. "perdido /
louco talvez / não é tão ruim / se você pode ficar / daquele jeito /
imperturbado".
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A casa onde o Bukowski morou. É a porta da esquerda.
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Cruzei o Mississippi num ferry boat só para
visitar a casa onde o William S. Burroughs morou em Algiers. Ele é,
claro, autor de livros como Junkie and Naked Lunch. Mas a casa ficou famosa por aparecer em On the Road,
do Jack Kerouac, onde o Burroughs ganhou o nome de Old Bull Lee. "Nós
fomos à casa do Old Bull Lee nas aforas da cidade perto do dique do rio.
Ficava numa rua do outro lado de um campo pantanoso. A casa era um
muquifo dilapidado, com varandas penduradas dos lados e salgueiros no
pátio; a grama estava alta, as cercas caindo, o celeiro desmoronado."
Hoje a casa está mais cuidada, mas ainda é a mesma casa.
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O quê, só literatices e sem musiquices?
Sim,
muita música. Andei pelos lugares habituais da Frenchmen Street, como
Snug Harbor, The Spotted Cat, d.b.a., Blue Nile, e Bamboula's, e ouvi
bandas como Tuba Skinny, Palmetto Bug Stompers, e The Secret Six, entre
outras. Destaque para o lendário Little Freddie King no d.b.a. e para o
Irvin Mayfield, ganhador de um Grammy, no Kermit's Treme Mother-in-Law
Lounge.
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E a comida?
Como
Bangkok na Tailândia e Salvador no Brasil, New Orleans é uma cidade
onde é preciso tomar cuidado com a pimenta. Quando o garçom diz que "não
tem pimenta", significa que tem pimenta. Quando diz que "tem um
pouquinho de pimenta", significa que é muito, muito apimentado. Quando
diz que "é muito apimentado", precisa de uma ambulância na porta do
restaurante em caso de combustão espontânea.
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Boudin (arroz, porco,
cebola, pimento verde, condimentos, tudo empanado e frito). A bebida é
um Hurricane (rum claro, rum escuro, suco de limão, maracujá). No
Coterie Restaurant.
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Crawfish étouffée (cozido de lagostim) com arroz no Cafe Pontalba.
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Muffuletta (sanduíche de salada de azeitona marinada, salame, presunto, mortadela, queijo suíço, e provolone) na Napoleon House.
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E os passeios?
Não saí da cidade. Na verdade, raramente saí do French Quarter e do
adjacente Faubourg Marigny. Mas poderíamos dizer, talvez, que fiz uma
visita às terras do além. Fui ao St. Louis Cemetery No. 1, o mais antigo
cemitério de New Orleans, aberto em 1789. Entre os muitos túmulos
verticais (não se pode enterrar uma pessoa aqui, a cidade está cercada
pelo Lago Borgne, pelo Lago Pontchartrain, e pelo Rio Mississippi, e em
qualquer lugar que você cavar vai encontrar água), vi as tumbas do Paul
Morphy (considerado o melhor jogador de xadrez do mundo no meio do
século 19), da Marie Laveau (famosa sacerdotisa de voodoo em New
Orleans), e do Nicolas Cage (que ainda não morreu mas já mandou
construir uma pirâmide para receber seu corpo quando chegar a hora).
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Túmulo do Nicholas Cage
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E agora?
No fim-de-semana vou para o Brasil passar um tempo com a minha mãe. Depois, fico em Buenos Aires por alguns meses.
Hasta la vista!
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Músico de rua
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