Setembro 2024

Uma semana em London

É uma viagem longa de Tirana a New Orleans, então resolvi fazer uma parada pelo caminho. London pareceu uma boa ideia. Por que só uma semana? Porque é só o que cabe no meu orçamento, mesmo em condições longe do ideal. Uma vez fiquei num hotel em Paris onde eu tinha que botar a cadeira em cima da cama para ter espaço para abrir a porta do banheiro. Eu costumava dizer que era o menor quarto de hotel do mundo. Mas estava errado. Este quarto em London é ainda menor, nem cabe a cadeira. E uma cadeira teria sido útil aqui, especialmente depois de subir os quatro andares de escada neste prédio vitoriano. Mas, como eu disse, é só o que cabe no meu orçamento. E eu estava decidido a aproveitar ao máximo esta passagem pela capital britânica, e encaixar todos os museus possíveis nestes poucos dias. Só uma semana mas muita atividade. Sentem-se confortavelmente, peguem um café, vai ser uma newsletter longa. Mas se vocês ficarem comigo eu prometo um pouco de Harry Potter no final.

Primeiro dia

Apesar da garoa matutina, comecei o dia com uma caminhada pelo Kensington Gardens. Vi os Jardins Italianos, a estátua do Peter Pan, a escultura em arco do Henry Moore, e o Albert Memorial. Até achei a banco onde eu lia The Lord of the Rings quando morei aqui décadas atrás.

Um bom lugar para ler The Lord of the RIngs
Depois fui ao Victoria & Albert Museum, a atração principal do dia. É difícil descrever, porque parece ter de tudo um pouco, mas eu chamaria de um museu de artes decorativas. Milhares de objetos, incluindo mobiliário, cerâmica, vidro, metalurgia, joalheria, têxteis, e também esculturas, pinturas, gravuras, desenhos, fotos, e livros. A área chamada Cast Courts é uma das mais impressionantes, mesmo sabendo que são cópias. Eles têm, entre outras coisas, um David do Michelangelo em tamanho real (vi o original recentemente na Galleria dell'Accademia em Firenze) e uma réplica em tamanho original (tiveram que partir ao meio para caber no museu) da Coluna de Trajano (vi o original há muitos anos em Roma, e outra réplica mais recentemente no National Museum of Romanian History em Bucharest). Minhas peças preferidas no museu foram algumas pinturas do J.M.W. Turner e algumas fotos do Henri Cartier-Bresson.
Victoria and Albert Museum
A seguir fui ao Natural History Museum, que fica do outro lado da rua. A estrela aqui é o próprio edifício, tanto por fora (com uma fachada coberta por azulejos de terracota esculpidos) como por dentro (com um salão principal que parece uma catedral, janelas com vitrais dos dois lados, e um esqueleto de baleia enorme pendurado no teto).

Terminei o dia com outra longa caminhada que me levou ao Kensington Palace (onde nasceu a rainha Victoria) e à Prince's Square (eu eu morei décadas atrás, agora toda renovada e certamente além do meu poder de compra).
Natural History Museum

Segundo dia

Entrei no metrô e fui para a Trafalgar Square. É onde fica a famosa Nelson's Column, um monumento com mais de 50 metros de altura celebrando o Vice-Admiral Horatio Nelson, que liderou a vitória da Inglaterra sobre a França e a Espanha na Batalha de Trafalgar (daí o nome da praça), evitando que a frota combinada dos dois países tentasse uma invasão do Reino Unido.

A atração principal na Trafalgar Square é a National Gallery, um impressionante museu de arte cheio de memórias para mim. A coleção é espetacular. Eles têm várias paisagens marcantes do Claude Lorrain (incluindo The Embarkation of the Queen of Sheba) e do J.M.W. Turner (incluindo The Fighting Temeraire). Boticelli e Ucello. El Greco e Velázquez. Ingres e Delacroix. Várias obras do Rafael e do Ticiano, e uma sala cheia de Rembrandts. E Degas, Cézanne, Monet, Renoir, van Gogh, Seurat.  A Virgin of the Rocks do Leonardo e The Arnolfini Portrait do Jan van Eyck. Salas e mais salas de arte espantosa.

Como eu estava na vizinhança, visitei também a National Portrait Gallery, que contém vários retratos famosos de figuras históricas, de Henry VIII e William Shakespeare a James Joyce e Elizabeth II. Gostei particularmente de ver retratos de viajantes como Lord Byron e Richard Francis Burton, sempre uma inspiração.

The Embarkation of the Queen of Sheba, do Claude Lorrain

Terceiro dia


Chuva. Em London, claro que iria chover. Passei a maior parte do dia dentro do British Museum. Uma longa viagem pela história e pelas minhas próprias memórias. Meus truques antigos ainda funcionam. Entrei pelo portão dos fundos na hora da abertura do museu, para pegar uma fila mais curta, e fui direto para o terceiro andar, para ver as salas egípcias quase vazias e admirar as múmias e os sarcófagos com tranquilidade. Uma hora mais tarde, depois de as hordas de turistas invadirem, era quase impossível andar por ali. Explorei o museu tanto quanto pude. Sim, vi a Rosetta Stone (a chave para decifrar os hieróglifos egípcios), os Elgin Marbles (ainda dói saber que foram arrancados do Partenon e trazidos aqui), e o Hoa Hakananai'a (uma estátua Maori da Ilha da Páscoa), mas eu tenho as minhas peças favoritas. Os Lewis Chessmen (Escócia, século 12), com suas carinhas assustadas, sempre me fazem sorrir. A cabeça de bronze do Augustus (Egito, 25 BCE) tem um par de olhos tristes capazes de hipnotizar. E a pequena cabeça de bronze do demônio Pazuzu (Iraque, 900 BCE), que eu desenhava décadas atrás nas minhas visitas ao British Museum.
Lewis Chessmen
Depois fui à casa do Charles Dickens, onde ele escreveu The Pickwick Papers, Oliver Twist, e Nicholas Nickleby. Ele não estava em casa, mas pude ver seu escritório, seu quarto, sua sala de jantar, e o resto da sua casa espaçosa.

Também visitei o John Soane's Museum. Ele era um arquiteto e colecionador, rico, e a sua casa está repleta de obras de arte. O que me atraiu foi o fato de ele ser amigo do J.M.W. Turner, e eu esperava ver alguns dos seus trabalhos na coleção. Mas aparentemente o Soane só tinha três quadros dele, e só um estava à mostra. Entretanto, ele tinha três grandes Canalettos que foram mais que suficientes para justificar a visita.

À noite, fui ao Trafalgar Theater assistir The 39 Steps. Versão muito engraçada do livro do Buchan e do filme do  Hitchcock, com quatro atores interpretando dúzias de personagens.
Sala de jantar do Dickens

Quarto dia


Eu precisava de um dia mais calmo depois de todas as caminhadas já feitas, então só fui a quatro museus.

A primeira parada foi no Sherlock Holmes Museum, que recria a casa fictícia do detetive, no famoso endereço 221B Baker Street. Eles fizeram um bom trabalho decorando os aposentos com objetos autênticos das últimas décadas do século 19, inspirados tanto no livros como nos filmes e séries de televisão.

Depois visitei a Wallace Collection. É uma mansão enorme do século 18, com uma coleção impressionante de armas e armaduras, mais pinturas, aquarelas, desenhos, e decoração aparatosa. Há uma predileção pelo estilo rococó, que não me agrada, mas também há muita boa arte para apreciar, incluindo cinco Rembrandts, quatro Turners, e oito Canalettos.

Também fui ao Cartoon Museum (uma exposição sobre a história dos cartuns ingleses e uma sobre super heróis e artistas ingleses) e à Photographers Gallery (um prédio de quatro andares dedicados à fotografia, com várias exposições).
Escritório do Sherlock Holmes

Quinto dia


Dia nublado, que foi o melhor clima que encontrei até o momento. Um pouquinho de sol de manhã cedo, que depois desapareceu. Peguei o metrô e fui até a Tower Bridge, e de lá caminhei pela margem do rio Thames para o sul. É um rio bem fotogênico, com vistas para marcos famosos como a St. Paul's Cathedral e as Houses of Parliament.
Houses of Parliament
Minha primeira parada foi na Tate Modern, um museu de arte moderna e contemporânea. A parte moderna é bem interessante, com Picasso, Matisse, Modigliani, Dalí, Ernst, Magritte, de Chirico, Lichtenstein, e vários outros clássicos. A parte contemporânea é chata e sem imaginação.

Depois de uma longa caminhada, cheguei à Tate Britain, originalmente chamada Tate Gallery (agora são quatro, as duas em London mais uma em Liverpool e uma em St. Ives). Tantas coisas boas para ver. Para mim, claro, o prato principal foi a coleção de pinturas do J.M.W. Turner, a maior do mundo. São cerca de cem obras em exposição (eles têm guardadas 300 pinturas e 36,000 desenhos e aquarelas), que me mantiveram um bom tempo por lá. Também apreciei trabalhos de Blake, Canaletto, Waterhouse, Millais, Rossetti, Bacon, Moore, Hockney, e vários outros. Um ótimo museu.
Norham Castle, Sunrise, do J.M.W. Turner

Sexto dia


Fiz um pequeno passeio fora da cidade. Primeiro visitei Oxford, 90 km ao noroeste de London. Só caminhei pela cidade vendo todos aqueles prédios tão cheios de história mas ainda em uso pela University of Oxford, a segunda universidade mais antiga do mundo ainda funcionando (a primeira é a Università di Bologna). Tantas memórias de filmes e livros passados aqui, como a trilogia His Dark Materials, os mistérios do Inspector Morse, The Oxford Murders, e claro a série Harry Potter, que não se passa em Oxford mas a Hogwarts School se encaixaria perfeitamente nesta cidade (na verdade, algumas cenas foram filmadas aqui).
Oxford
Depois fui a Stonehenge, estrutura megalítica pré-histórica uber famosa. Se você fingir que todos aqueles turistas obcecados com selfies não estão ali, o lugar é como uma viagem ao passado, com aquelas pedras enormes no meio de um campo sem razão aparente ou conhecida. Eu gosto de imaginar que as pessoas que construíram Stonehenge o fizeram só porque as pedras ficam bem ali.
Stonehenge
No caminho de volta para London, parei em Windsor para o chá das cinco. É uma cidadezinha curiosa (população: 32,608), a 35 km oeste de London, onde fica o Windsor Castle, uma das muitas residências da família real. Parecia o lugar perfeito para o chá das cinco, já que foi um hábito nascido na corte real. Anna Maria Russell, Duquesa de Bedford e amiga da rainha Victoria, incomodada com o longo intervalo entre seu almoço cedo e seu jantar tardio, começou a tomar chá com bolo no fim da tarde. Este ritual foi adotado por outras pessoas na corte, incluindo a rainha, e aí começou a tradição nacional. O meu chá das cinco foi clássico e consistiu em chá Earl Grey, sanduíches de ovo e sanduíches de pepino (em pão sem casca), um bolo de frutas silvestres, e geleia de morango.
Windsor

Último dia


Para fechar meu mini-tour inglês, fui a Watford, 24 km ao noroeste de London, lar dos Leavesden Studios, agora conhecidos como Warner Bros. Studio Tour London - The Making of Harry Potter. Não é um parque temático, mas uma exposição de cenários, figurinos, e adereços usados nos filmes da série Harry Potter. Os cenários são impressionantes pelo tamanho e pelo nível de detalhe. Temos o salão principal de Hogwarts, o hall de entrada do Gringotts Bank, Diagon Alley, e vários outros. Acho que as duas coisas de que mais gostei foram a coleção de próteses dos goblins trabalhando em Gringotts e o modelo enorme do castelo de Hogwarts (15 metros em diâmetro) usado para as cenas exteriores.
Hogwarts

E a comida?


Para esta visita a London, resolvi explorar as maravilhas da gastronomia dos pubs. Fui a lugares com nomes como The Pride of Paddington, The Dickens Tavern, Shakespeare's Head, The Clarence, The Champion, The Victoria, e The Ship & Shovell, e encontrei comida ao mesmo tempo saborosa e interessante. O famoso fish and chips, encontrado em qualquer pub, é hadoque empanado servido com batatas fritas e molho tártaro. O segredo é usar cerveja na massa de empanar. A steak and ale pie é uma torta recheada com bife cozinhado em cerveja. Bangers and mash são linguiças e purê de batata (às vezes eles cobrem as linguiças com mel e mostarda, delicioso). Scotch egg é um ovo cozido coberto com carne moída, empanado, e frito. Comi tudo isto acompanhado por shandy (metade cerveja, metade limonada), que é a única forma que eu bebo cerveja, a bebida tradicional dos pubs.

E agora?

Já estou em New Orleans, onde fico até o fim de outubro. Mas esta é uma história para outra hora.

Laissez les bons temps rouler! (É o lema da cidade, uma tradução literal do inglês para o francês da Louisiana, "deixem rolar os bons tempos".)

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