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Junho 2024
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Três meses em Barcelona
Desta
vez aluguei um apartamento na Ciutat Vella (Cidade Antiga) em
Barcelona. É uma área conhecida como El Born, o nome do lugar onde
cavaleiros medievais disputavam seus torneios. A maior parte das ruas é
só para pedestres, e a maior parte dos edifícios é muito, muito antiga. O
prédio onde eu moro é do século 18 e o meu apartamento fica no terceiro
andar, no alto de uma escadaria íngreme e estreita.
No início do século 20, o poeta e pintor Jaime Sabartés tinha o seu
estúdio no apartamento acima do meu. A seu pedido, o amigo Pablo Picasso
pintou as paredes com figuras de um touro, um casal desnudo, e um homem
enforcado. Infelizmente, quando o edifício foi renovado anos depois,
ninguém percebeu que se tratava de arte feita pelo Picasso e foi tudo
destruído.
A duas quadras do meu prédio fica a Basílica de Santa María del Mar, do século 14. Você conhece o lugar se leu A Catedral do Mar, do Idelfonso Falcones, ou assistiu a série da Netflix baseada no livro, que mostra como esta igreja gótica foi construída.
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Meu apartamento em
Barcelona, no terceiro andar daquele edifício cor de salmão, com as
plantas na sacada. (Não, a Vespa não é minha.)
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Museus, museus, museus
Barcelona
tem muitos museus, e visitei vários, claro. O Museu Picasso, que fica a
poucas quadras do meu apartamento, tem uma coleção de 4.000 obras do
artista. É uma ótima vista panorâmica da sua carreira, especialmente das
primeiras fases. Na mesma rua, há o Moco Museum Barcelona, uma espécie
de museu para hipsters: a coleção inclui artistas contemporâneo que
estão em moda, como Andy Warhol, Jean-Michel Basquiat, Keith Haring,
Banksy, Marina Abramović, e vários outros. Barcelona também tem um Museu
Banksy, que é maior que o de Lisboa.
A Fundació Antoni Tàpies tinha uma exposição muito interessante quando eu visitei, La Huella del Zen
(A Pegada do Zen), mostrando a influência de monges budistas na obra do
Tàpies. A Joan Miró Foundation é um deleite para gente que, como eu,
aprecia o surrealismo abstrato deste barcelonês maluco. Mas o melhor
museu da cidade, para mim, é o Museu Nacional d'Art de Catalunya, um
palácio enorme no alto de Montjuic, com uma vasta coleção de arte
românica, gótica, renascentista, barroca, e moderna. O Museu de l'Art
Prohibit, como o nome sugere, mostra uma coleção de arte que foi, em
algum momento, proibida ou retirada de uma exposição, por razões
políticas ou morais. As melhores coisas que vi foram Los Caprichos do Goya e a série Raphael et la Fornarina do Picasso.
O Museu d'Història de Catalunya apresenta uma boa progressão histórica
da região, do paleolítico à época pós-Franco. O Museu d'Història de
Barcelona (MUHBA) tem uma grande coleção de objetos antigos,
principalmente das épocas romana e medieval, mas a maior atração são as
ruínas da muralha da cidade, que podemos ver desde os túneis
subterrâneos. O Museo de Arqueologia também tem artefatos locais mas é
pequeno (especialmente em comparação com o magnífico museu arqueológico
de Madrid).
Também visitei o Museu de la Xocolata (sim, um museu sobre chocolate), o
Arxiu Fotogràfic de Barcelona (fotografia antiga), o Museu Egipci de
Barcelona (coleção pequena mas interessante de artefatos egípcios), El
Born Centre de Cultura i Memòria (um pavilhão que já foi mercado público
e agora mostra as ruínas encontradas por baixo do edifício), o Centre
de Cultura Contemporània de Barcelona (onde eu vi uma exposição sobre a
vida suburbana nos EUA, Suburbia: Building the American Dream),
CaixaForum Barcelona (com algumas exposições pequenas mas nenhuma tão
interessante como o próprio prédio, que era uma fábrica têxtil em estilo
modernista), o Museu Frederic Marès (escultura cristã no primeiro
andar, mas os dois andares acima têm as vastas coleções do artista, que
juntava obsessivamente todos os tipos de coisas, de leques e cachimbos a
relógios e brinquedos), o Museu d'Art Contemporani de Barcelona (um
prédio bonito cheio de lixo fantasiado de arte), La Virreina Centre de
la Imatge (boa exposição de fotos do Jeff Wall), Can Framis (um bom
museu de arte contemporânea catalã), Disseny Hub Barcelona (museu de
design), o Museo Fran Daurel (boa coleção de arte contemporânea catalã,
escondida dentro de uma armadilha para turistas chamada Poble Espanyol),
o Palau Martorell (para a exposição Geisha/Samurái, Memorias de Japón),
e o Museu Marítim de Barcelona (cheio de navios, modelos de navios,
pinturas de navios, e uma galera real em tamanho natural).
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Mulher com Pássaros, do Juan Miró
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Galera Real
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Arquitetura modernista
Barcelona
é uma boa cidade para quem gosta de arquitetura, e a grande estrela
local é o arquiteto e designer Antoni Gaudí. Visitei vários dos seus
trabalhos, geralmente cheios de turistas: Casa Batlló, Casa Milá, Casa
Vicens, Casa Calvet, Basílica de la Sagrada Família, e Parque Güell.
Todos falam do Gaudí, mas há outro arquiteto local igualmente
interessante, Lluís Domènech i Montaner. O Palau de la Musica Catalana é
extraordinário. Fui lá durante o dia para visitar o edifício, e depois
fui à noite para um show de flamenco. O Recinte Modernista de Sant Pau é
ainda melhor, um complexo hospitalar de doze pavilhões conectados por
galerias subterrâneas.
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Casa Batlló, do Gaudí
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Casa Milá, do Gaudí
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Palau de la Musica, do Domènech
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Sant Pau, do Domènech
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E a comida?
A Espanha é um lugar ótimo para quem gosta de comida. Em The Lord of the Rings,
o Pippin famosamente listou as refeições na cultura dos hobbits:
desjejum, segundo desjejum, elevenses, almoço, chá da tarde, jantar, e
ceia. Bem, aqui temos desayuno (desjejum) entre as sete e nove da manhã,
geralmente café e pães; almuerzo (segundo desjejum) por volta das dez
ou onze (elevenses!), que pode ser um sanduíche, ou tortilla de patatas,
ou mais café e pães; la comida (almoço) entre duas e quatro, com
primeiro prato, segundo prato, e sobremesa; porque você pode já ter fome
entre as cinco ou seis, temos a merienda (lanche), boa hora para
churros com chocolate quente; entre oito e dez as pessoas comem tapas e
bebem vinho; finalmente, entre nove e onze da noite você pode se sentar
com calma para comer a cena (ceia).
Paella é um dos meus pratos preferidos, e perdi a conta de quantas já
comi aqui. Também comi pratos típicos da Catalunha, como escalivada
(beringela, pimentão, cebolas, tudo assado na brasa) e arroz negro
(arroz com chocos, fica tudo negro por causa da tinta dos chocos). E
também alguns pratos específicos de certos lugares, mas eu falo deles
quando contar sobre os passeios.
E tapas, claro, principalmente croquetas de jamón iberico (croquetes de
presunto ibérico), ensaladilla rusa (salada de batata com atum e muitas
azeitonas), e gambas al ajillo (camarão frito com alho).
Também fiz uma coisa que não fazia desde Paris em 2018. (Sim, naquele
ano antes da pandemia, enquanto ainda estava trabalhando em Baltimore,
fui numa viagem à França e outra à Grécia, no que seria uma espécie de
teste para a minha vida nômade atual, mesmo que eu ainda não soubesse).
Muitas noites, meu jantar se resumiu a somente pão, queijo, e vinho.
Porque estas coisas são muito boas aqui. Posso comprar um bom pão
artesanal a uma quadra do meu apartamento, e do outro lado da rua
escolho o queijo e o vinho. Meu preferido é o Tou del Lluçanès, feito de
leite de vaca cru, pastoso para espalhar no pão. E encontrei uma boa
fornada de L'Equilibrista Garnatxa 2015, robusto e frutado ao mesmo
tempo, com taninos sutis para completar. Boa combinação. Barcelona é
onde foi inventado o pa de vidre (pão de vidro). É um pão muito
hidratado, com casca fininha e miolo com muitos buracos, muito leve. Bom
para fazer pa amb tomàquet: pão esfregado com alho, depois com tomate, e
temperado com sal e azeite de oliva, nesta ordem.
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Paella!
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E os passeios?
Como
esta newsletter já está muito longa, vou deixar os passeios para a
segunda parte, a ser enviada amanhã ou depois. Mantingueu els ulls ben
oberts! (Isto é "fique de olho" em catalão.)
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