Julho 2022

Notícia Triste

Minha passagem pela România começou de uma forma horrível, com a notícia da morte do meu pai. Foi tudo muito rápido e me afetou de um jeito do qual ainda estou me recuperando. Minha jornada continua, e ele vai comigo em pensamento.

Dois meses na România

(Antes que alguém reclame: sim, eu escrevo România e não Romênia. O nome vem do latim "romanus", que significa "de Roma". Escreve-se com "a" em inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, e várias outras línguas. Não há uma boa razão para ser com "e" em português.)

Encontrei um ótimo apartamento para morar em Bucareste. Espaçoso, confortável, e bem decorado. E, o melhor de tudo,  localizado bem em frente ao Jardim Cișmigiu, um parque adorável que passou a ser parte da minha rotina. Durante as caminhadas diárias entre as árvores e ao redor do lago eu me senti como se tivesse meu próprio mini Central Park.

A cidade parece ter personalidade dividida. Algumas partes são dominadas pela arquitetura da época comunista, com prédios governamentais maciços e grandes blocos de apartamentos todos iguais. Mas, felizmente, existem muitos outros edifícios da Belle Époque, que dão a Bucareste o seu encanto especial e o apelido de Parisul Estului (Paris do Leste).

Como seria de esperar, visitei vários museus e aprendi sobre artistas locais dos quais nunca tinha ouvido falar, como Nicolae Grigorescu e Theodor Pallady. Na verdade, todos os artistas romenos que eu conhecia antes de visitar o país desenvolveram suas carreiras no exterior (o escultor Constantin Brâncuși, o diretor de cinema Jean Negulesco, o dramaturgo Eugène Ionesco, o filósofo Emil Cioran, o escritor Mircea Eliade).

Depois de dois meses, já estava conseguindo ler muitas coisas em romeno e também conversar um pouquinho (bem pouquinho, principalmente para pedir coisas em lojas e restaurantes). Sem precisar usar um alfabeto diferente como em búlgaro, é muito mais fácil aumentar o vocabulário. Eles só têm duas letras estranhas, o "ș" (um "s" com cedilha, tem som de "ch") e o "ț" (um "t" com cedilha, tem som de "tz"). Assim, mulțumesc (obrigado) se pronuncia multzumesc and piața (praça) se pronuncia piatza. Mas é fácil viver em Bucareste sem falar o idioma local, porque quase todo mundo fala inglês.

Mamaliga!

Na România se faz a melhor polenta do mundo. Eles chamam de mamaliga (ou às vezes usam o diminutivo mamaliguta). É feita com farinha de milho sem refinar (a România é um dos maiores produtores de milho em todo o mundo), o que dá uma textura muito agradável. É o acompanhamento mais comum, ainda mais popular que batatas fritas.

Os dois pratos principais que mais comi na România foram sarmale de pui in foi de vita (carne picada de frango, arroz, cebola, e ovos, tudo enrolado em folha de parreira) e pastramă fragedă de berbecuț trasă la tigaie (pastrami de  borrego frito), sempre acompanhado de mamaliga, claro. Teve também um prato memorável em Brașov, apropriadamente chamado de Specialitate Brașoveană, que era um refogado de frango, porco, e vaca, servido em cima de uma camada de batatas fritas.

Também bebi bons vinhos na România. Uma das uvas locais chama-se Feteasca Neagra, e produz um agradável vinho seco quase frutado. Minha garrafa preferida foi La Cetate Feteasca Neagra 2018. Mas o vinho que eu mais bebi foi da Moldávia: Chateau Purcari 1827 (é o nome do vinho, não o ano), feito com a uva local Rara Neagra de Purcari. Encorpado e com bons taninos, é um ótimo vinho para o dia a dia.

Explorando os Cárpatos

Quando eu era criança, li um livro do Jules Verne chamado O Castelo dos Cárpatos, e desde então essas montanhas ficaram associadas na minha cabeça com mistério e aventura. Claro que eu tinha que explorar esta área, tão perto de onde eu estava, eu fiz um passeio pela Transilvânia. Os Cárpatos na verdade cruzam vários países (República Checa, Áustria, Eslováquia, Polônia, Ucrânia, România, e Sérvia) mas mais da metade fica na România, a maior parte na Transilvânia.

Visitei Brașov (antiga Kronstadt, construída por imigrantes alemães) Sinaia (estação de esqui perto do Castelo Peleș), e Bran (onde fica o Castelo Bran). O Castelo Peleș é um palácio fantástico construído entre 1873 e 1914 como residência de verão do rei Carol I. Toda a decoração interior é original, cada aposento num estilo diferente (francês, florentino, turco, etc). Coleções de pinturas, esculturas, armas, tapeçarias, porcelana, livros, tudo no nível que se poderia esperar de um monarca. Mas o Castelo Bran Castle é uma armadilha para turistas. A construção em si, uma fortaleza medieval, é muito interessante. Mas o marketing é todo feito em torno da ideia de ser o "castelo do Drácula", o que é errôneo de várias maneiras, e o interior é ridiculamente decorado como peças vagabundas de histórias de horror (incluindo uma máscara do filme Scream, completamente fora de contexto). O Bram Stoker escreveu em Dracula que seu vampiro vinha da Transilvânia, mas a descrição do castelo não combina com o Castelo Bran (e o Stoker nunca esteve a região e não poderia ter visto este castelo). E é pior ainda a conexão com o Vlad Țepeș (inspiração para o nome do personagem, já que ele também era conhecido como Vlad Drăculea). O Vlad histórico era o soberano da Valáquia, não da Transilvânia, e nunca esteve neste castelo. Mas os gananciosos donos atuais do Castelo Bran só estão interessados em vender canecas e camisetas, e enquanto aparecerem turistas acreditando nestas histórias eles vão continuar fazendo esse desserviço cultural.

E depois da România?

A temperatura sobe e eu começo a ouvir o chamado do Mediterrâneo. Já estou em Nice, aproveitando o verão na Riviera Francesa. Mas esta é uma história para outra hora. Aguardem!

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